sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A boneca de porcelana

Este conto é um pouco diferenciado dos outros postados anteriormente
Pela primeira vez, estamos usando a experiência de outra pessoa na criação de um conto
Neste caso, usamos o sonho da irmã do nosso amigo adapraya
Então... Divirtam-se ^^
"Eu e minha irmã estávamos tendo uma noite como outra qualquer: cuidando da casa, ficando acordado até tarde, essas coisas. Mas aquela noite em especial guardava uma surpresa macabra para nós dois. Passavam de três da manhã quando o telefone tocou. Quando atendi, não se ouvia nada apenas um ruído estranho, quase inaudível. "Não é nada.", pensei. Mas aquele era apenas o começo da noite mais assustadora da minha vida.

Quando desliguei o telefone, olhei para o relógio antigo na parede.: ele marcava 3:33 da madrugada. Nesse instante, ouvi um grito estranho vindo da sala. Era minha irmã. Corri até lá e quando a vi, ela estava se debatendo no chão e gritando cada vez mais alto. No ínicio fiquei achando que era uma brincadera, mas percebi que era algo sério quando comecei a sentir um frio estranho, como se a morte habitasse aquele lugar. Ela olhava fixamente para um ponto, como se alguém além de nós estivesse naquela sala.

- Tem mais alguém aqui? - perguntei. - Se tem, onde está?

Ela apontou para mim, como se estivesse na minha frente. Ela me olhava fixamente, com uma expressão de pânico, como se eu fosse um assassino e ela uma vítima.
Repentinamente, vários cortes surgiam em seu corpo, até que, com um corte mais profundo, seu braço direito caiu.
Ela estava gritando descontroladamente enquanto o sangue jorrava de seu corpo. Eu, apavorado com aquela cena, gritei:

-Apareça pra mim, deixa ela em paz.

Apareceu um homem coberto por capa que lhe escondia a face. Gritei para ele, dizendo:

-Deixe ela e me pegue!

-Com você não tem mais graça, já te torturei mentalmente muitas vezes! -respondeu ele

Minha irmã, sofrendo com aquela dor horrivel, susssurou, quase sem forças:
-O que eu fiz pra merecer isso? - quase não se ouvia sua voz. - Me deixe em paz...

Ele respondeu:
-Não te chamam de boneca pela sua beleza? Agora você será minha boneca de porcelana!

Ele pegou o braço dela e o costurou de volta em seu lugar, repetindo o ato em todos os cortes que tinha feito. Eu não podia fazer nada, pois estava paralizado de medo, apenas vendo minha irmã sendo costurada friamente.
Quando acabou, ele olhou-me e disse:
-O que achou do meu trabalho?

- Por que? - perguntei, em prantos.
Ele não respondeu. Apenas me olhou friamente, como se estivesse dizendo: "Com você, será muito pior". Olhei novamente para minha irmã. Ela estava parecendo uma boneca de pano, costurada em várias partes de seu corpo. Ela estava com a cabeça baixa escondendo a face com seus cabelos. Mas, de repente, ela levantou a cabeça e seus olhos se tornaram negros, escorrendo um líquido estranho que parecia ser sangue coagulado.

Fechei os olhos para não ver aquela cena. Mas, mesmo assim, a imagem de minha irmã sendo torturada povoava minha mente, tornando meu sofrimento cada vez maior. Quando abri os olhos novamente, estava sentado no sofá. Olhei para o lado e vi minha irmã encarando-me apavorada, como se tudo aquilo tivesse acontecido com a gente.

O som do relógio quebrou o silêncio da sala. Eram 3hs da manhã. Apavorado, acendi todas as luzes da casa e sentei-me abraçado com minha irmã, rezando para que o telefone não tocasse. Alguns minutos se passaram, quando, novamente, o telefone tocou. Nós nos olhamos e fomos juntos atender o telefone. Atendi, e novamente, silêncio. Quando fui desligar, um grito estridente soou do telefone. Apavorado, arremessei o telefone contra a parede e corri do quarto, arrastando minha irmã junto. Mas uma surpresa nos aguardava, em cima do sofá: uma bela boneca de porcelana..."

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Apenas mais um conto para um fim de noite...

Parecia mais um dia comum. Eu e Rafael estávamos saindo de casa para irmos encontrar alguns amigos. Ele parecia diferente naquele dia, não havia dito nada. Não liguei muito, afinal, ele não era uma pessoa muito comunicativa.
Enquanto andávamos, ouvimos um barulho estranho vindo de uma casa, há muito tempo abandonada. Parecia que alguém estava brigando lá dentro. Incerto, decidi entrar e tentar ajudar quem estava lá dentro. Rafael, surpreso com minha atitude, me acompanhou, sem questionar o porquê.
Quando entramos, nada. A casa estava exatamente como sempre: devastada. Parte da destruição foi causada pelos amigos de Rafael, que usavam a casa enquanto ela ainda estava em estado considerável, para festas. E, para os mais “assanhados”, havia um quarto distante da casa. Para chegar nele, era necessário cruzar um estreito corredor, garantido a privacidade de quem fosse para lá. E, numa destas festas, um casal foi até lá, como de costume. Mas eles discutiram seriamente. Irritado, o garoto começou a bater nela. Mas ele não soube parar. Quando se deu conta, ela estava morta. Desesperado com o que fez, ele fugiu.
Os amigos deram falta de ambos. Pensaram que estavam naquele quarto, “se divertindo”. Mas o tempo passou. Duas, três horas. Ninguém passava tanto tempo assim lá. Resolveram investigar. Quando chegaram lá, se depararam com um corpo encostado na parede e estilhaços de vidro, resultado da janela que havia sido quebrada. Ninguém chamou a polícia, pois se chamassem, todos iriam presos. Decidiram então fechar aquele quarto e nunca mais usar a casa.
Agora, voltamos àquela casa. Lembranças daquele dia voltaram a povoar minha mente. Quando me lembrei daquela garota, um vulto cruzou um corredor à nossa esquerda, correndo de uma porta à outra. Olhei para Rafael, para ver se ele também tinha visto aquilo. Sua expressão demonstrou-me que sim. Tinha alguma coisa na casa, e ela estava querendo alguma coisa conosco. Decidido, segui-a. Rafael, assustado, apenas me acompanhava. Parecia que o medo havia-o emudecido mais ainda.
Toda vez que o vulto passava, eu ia à sua direção. Foi quando percebi para onde ele estava indo. Para o quarto. Aquele onde a jovem havia sido assassinada. Um calafrio percorreu minha espinha. Nunca mais havia voltado lá desde o dia em que encontramos seu corpo sem vida.
Ela virou-se e me encarou. Naquela hora, fiquei paralisado de medo. O vulto não tinha face. Era como se ela tivesse sido arrancada. Não conseguia me mexer e não queria mais continuar com aquilo. Mas não era hora de fraquejar. Já vim até aqui. Tomei coragem e decidi enfrentar meu medo, arrastando Rafael comigo, que continuava sem dizer uma palavra, tão amedrontado quanto eu.
O corredor permitia apenas a passagem de uma pessoa por vez, então, entrei primeiro, seguido por Rafael. O pequeno trajeto parecia estar maior do que me lembrava. Isso tornou aqueles segundos de ansiedade e medo infinitamente maiores. Quando conseguimos ver o quarto, ele não tinha mais uma porta, e sim uma janela em seu lugar.
Esperei Rafael ficar ao meu lado para poder olhar lá dentro. Quando me certifiquei disso, abri a janela. Aconteceu o que eu não queria. Havia marcas de sangue por todo o quarto, e o corpo da garota estava no mesmo lugar onde encontramos: encostado na parede. Mas, quando olhei para ela, percebi que agora ela estava com sua face, demonstrando um semblante triste. Assustado, fechei a janela rapidamente, mas alguma coisa abriu-a violentamente. Foi a garota, ou o que restou dela. Seus olhos tornaram-se negros, apontando para Rafael. Virei-me para vê-lo, mas ele estava completamente paralisado. Quando voltei minha atenção para o quarto, ela não estava mais lá, mas tinha deixado uma mensagem na parede, escrita em sangue: “foi ele que fez isso”.
Perdi o controle. Gritei com o novo susto e tentei dizer para irmos embora dali de uma vez antes que alguma coisa acontecesse. Porém, quando me virei para Rafael, seus olhos tornaram-se negros e ele soltou uma risada maléfica, avançando em minha direção logo em seguida.
Fechei os olhos e esperei pelo pior. Mas, quando abri novamente os olhos, eu estava na minha cama, com Rafael dormindo no chão, ao lado da cama. “Foi tudo um sonho?”, pensei. Ainda um pouco nervoso com o sonho, levantei-me e fui até a cozinha, tentando não fazer barulho para não acordá-lo. Tomei um copo d’água e me acalmei um pouco. Voltando para o quarto, observei-o um pouco. Ele parecia estar normal.
Então, voltei para minha cama e tentei dormir, virando-me de forma que pudesse vê-lo. Meus olhos começaram a pesar lentamente. Quando estava quase pegando no sono, ele acordou, encarando-me novamente com aqueles olhos negros expressivos. Percebi, naquele momento, que meu destino estava selado...

sábado, 1 de novembro de 2008

Apocalipse Pessoal

Durante um período de cinco anos, aproximadamente, vaguei por diversas cidades, com o único propósito de esquecer. Parti de minha cidade natal com nada mais do que uma mochila contendo algumas poucas roupas, deixando para trás apenas minha casa, já que não havia familiares e muito menos amigos. Fora abandonado por todos desde a fatídica data em que, acidentalmente, provoquei a morte da única pessoa que amei em toda a minha vida. Os amigos e familiares – meus e dela – não acreditaram que havia sido um acidente, e, ao invés do apoio que eu precisava, fui covardemente abandonado por todos. O estado em que minha mente se encontrava era tão caótica que nem quando tentei suicídio eu obtive êxito. Após este episódio, resolvi deixar a minha antiga vida para trás. Eu estava andando por uma estrada totalmente sem movimento, quando uma tempestade começou a se armar no horizonte. As nuvens cinzentas davam um estranho tom azulado ao local, e o silêncio mórbido que me cercava traziam uma tristeza inimaginável. Senti um forte aperto no coração, como se alguém o estivesse apertando, e lágrimas começaram a rolar por minha face. Na minha frente, pude ver a minha amada dançando, exatamente como da última vez que estivemos juntos. Seus longos cabelos negros dançavam junto com ela, em movimentos aleatórios no ar. Naquele momento, caí de joelhos no acostamento da estrada, aos prantos. Quando voltei ao normal, com a vista ainda embaçada por causa das lágrimas, pude perceber, a alguns metros do acostamento, um imenso portal de madeira, que devia medir cerca de três metros de altura, por aproximadamente dois metros de largura. Aproximei-me daquela curiosa construção, já extremamente deteriorada pelo tempo, e percebi que, embora semi-destruída, ainda mantinha alguns de seus detalhes originais, uma série de entalhes em baixo relevo feitos na madeira, que tinham características muito peculiares. Pareciam hieróglifos – mas talvez fossem ideogramas. Ao fundo, uma longa estrada de terra estendia-se além de uma pequena colina. Como a tempestade era iminente, resolvi seguir a estrada na esperança de encontrar alguma construção que pudesse me abrigar até a chuva passar. A estrada era longa e tortuosa. Depois de duas horas de caminhada, cheguei ao topo da colina. Fiquei ao mesmo tempo maravilhado e assustado quando vi que no pé da colina havia uma cidade inteira, com casas em uma arquitetura que eu nunca vira. Rapidamente consultei meus mapas de viagem, e fiquei surpreso quando vi que nem a cidade e nem mesmo a estrada que eu caminhara horas antes estavam no mapa; tudo o que havia era uma imensa área vazia. Enquanto eu consultava meus mapas, pude ouvir, bem ao longe, o badalar de sinos. Aquele som me causou um terror agudo, pois badalavam de forma macabra, soando como um convite para um eterno passeio no inferno, guiado pelo próprio Lúcifer. Embora o som fosse de diversos sinos, não soavam como sinos. Guardei os mapas em minha mochila, pensando em ir embora daquele lugar, mas alguma coisa me atraía ali. Como a chuva estava começando a cair, me apressei em descer a colina. A cidade era envolta por um grande muro, e um portal semelhante ao que encontrei na beira da estrada estava localizado ao centro, permitindo o acesso para dentro da cidade. Entrei na cidade, seguindo pela rua de pedras que extendia-se à minha frente. A rua era muito estreita, e as casas pareciam avançar sobre ela, quase a devorando; em alguns pontos, podia-se perceber que os estranhos telhados das casas encontravam-se, formando um medonho túnel. Tentei bater na porta da primeira casa da cidade, mas não obtive resposta; e assim foi com as várias casas subsequentes. Os sinos ainda tocavam sua macabra sinfonia, mas agora com um volume muito mais alto. Segui pela rua à minha frente, sem encontrar ninguém no caminho. A cidade parecia totalmente deserta – fato que era corroborado pelo péssimo estado de conservação geral da cidade. Mas se estava deserta, quem estava tocando os sinos? Com a chuva agora caindo fortemente, resolvi seguir as badaladas, na esperança de encontrar alguém. Por alguns minutos, caminhei por ruas que pareciam exatamente iguais, com as casas aglomeradas e quase se tocando no ar. Escolhi, quase aleatoriamente, os caminhos a seguir quando eu encontrava alguma bifurcação ou cruzamento, tentando sempre seguir o badalar infernal dos sinos. Mas, embora eu tivesse continuado andando, muitas vezes eu achava estar sempre no mesmo lugar, uma vez que as casas tinham a mesma aparência esquisita, e as ruas eram exatamente iguais. Meu passo já estava apressado, quase correndo, quando uma sensação de claustrofobia começou a tomar conta de mim; eu queria desesperadamente sair daquele lugar. Tentei refazer o caminho de volta, mas eu parecia retornar sempre ao mesmo lugar. Quando eu parei para pegar um pouco de ar, tive a sensação de ver um vulto passando por trás de mim. Olhei para trás, mas tudo o que vi foi a mesma rua de sempre. Olhando um pouco mais atentamente, percebi que a porta de uma das casas estava entreaberta. Cautelosamente, dirigi-me até lá, olhando ao redor para certificar-me de que ninguém estava à espreita. Chegando na porta, chamei por alguém, mas, como eu já imaginava, ninguém me atendeu. Empurrei bem devagar a porta, para deparar-me com uma escuridão que eu nunca havia visto antes. Com o ritmo do coração acelerado, empurrei um pouco mais a porta e coloquei a cabeça para dentro, procurando alguma fonte de iluminação. Eu estava com metade do meu corpo do lado de dentro da casa, quando, novamente, vi um vulto passando atrás de mim. Assustado, virei-me para tentar descobrir quem estava tentando me pregar uma peça, mas novamente não vi ninguém. Resmungando, virei-me para a frente para entrar na casa, mas dei um pulo quando deparei-me com alguém, ou alguma coisa, a poucos centímetros de mim. Não pude conter o grito de horror quando aquela coisa – mais ou menos do meu tamanho – segurou fortemente meu braço. Senti um formigamento quando aquela mão gelada me tocou; lutei com todas as minhas forças para me soltar daquilo que apenas balbuciava alguns sons incompreensíveis. Aqueles grunhidos, aliás, não poderiam vir de lugar nenhum, pois, quando olhei para o rosto da criatura, novamente suei e estremeci, quando percebi que não havia rosto, apenas uma cabeça, branca como o resto do corpo, mas com um horrível tom azulado. Embora não houvesse olhos, eu sentia que aquilo me olhava, e seu olhar tinha o incrível poder de me causar medo como eu nunca sentira antes. Virei as costas para a criatura e começei uma corrida desenfreada pelo tortuoso labirinto que era aquela cidade. Por alguns minutos não olhei para trás, mas quando o fiz, tropecei devido ao pavor que me dominou, não apenas a criatura que havia me agarrado estava me seguindo à distância, como dezenas exatamente iguais a ele, todos balbuciando o mesmo estranho som, que fazia uma harmonia perfeita com o badalar infernal dos sinos, que agora estava mais alto do que nunca. Corri, como eu nunca havia corrido antes, e, depois de alguns minutos, vi o que parecia ser uma saída daquele labirinto. Cheguei a um lugar que parecia um oásis em meio àquele inferno que descansava atrás de mim. Um imenso lago, com uma imensa cadeia montanhosa ao fundo, adormecia traquilamente à minha frente. Misteriosamente não chovia ali, embora o céu estivesse totalmente nublado, com o sol fazendo um esforço imenso para sair, mas impedido pela densa massa de nuvens. Senti aqui o mesmo tom azulado que eu sentira na estrada, o que me causou um certo enjôo ao relembrar a cena que eu vira naquela ocasião. Cheguei a esquecer por completo das coisas que me seguiam quando vi um pouco à minha frente um banco de madeira, onde uma mulher permanecia calmamente sentada, aparentemente apreciando a estranha visão que nos era oferecida. Aproximei-me devagar e sentei ao seu lado. Antes que eu pudesse vê-la ou falar alguma coisa, a mulher virou-se para mim, e nesse momento, meus olhos encheram-se de lágrimas novamente, um frio congelante percorreu minha espinha quando minha amada olhou em meus olhos e me perguntou: – Por quê? Eu estava em prantos quando perguntei o que ela fazia ali. – Estou fazendo a mesma coisa que faço desde o dia que você me matou, estou aqui, sentada, aguardando. – Aguardando o quê? – Perguntei. – Você. – Ela respondeu, com o sorriso mais lindo que eu já vira até então. – E estas criaturas, o que são? – perguntei, olhando para trás e descobrindo que as coisas haviam sumido. – Estão aqui para ter certeza de que não iremos embora. Devemos ficar aqui, até que chegue a nossa hora de partir. Antes que eu pudesse fazer mais perguntas, ela segurou minha mão e fez sinal para que eu ficasse calado. Embora confuso, eu estava extremamente feliz por poder vê-la novamente, embora eu não tivesse certeza se ela estava morta ou viva. Na verdade, isso não fazia muita diferença, a sensação de estar ao lado dela, mesmo que calados e sem poder tocá-la era indescritível. Ficamos por muitas horas sentados naquele banco, ouvindo o badalar incessante dos sinos e apreciando aquela paisagem sinistra, mas cativante. Anoiteceu, e o céu começou a adiquirir uma coloração estranha, vermelha, lilás, ou algo parecido com isso. O lago à nossa frente começou a se agitar, quando o fogo começou a brotar de sua superfície; em alguns pontos, via-se que o fogo crescia criando uma chama que ia direto ao céu sangrento, criando um espetáculo funesto. Quando virei o rosto para perguntar o que acontecia, vi minha amada me olhando de forma estranha, eu podia ver a fúria em seus olhos, e seu corpo estava em avançado estágio de decomposição. O sangue escorria de sua boca e a faca que eu acidentalmente cravara em seu coração ainda estava ali. Ela gritava, chorava, e me segurava com uma força incrível; eu não podia me soltar. Eu já estava no chão quando vi as criaturas vindo para cima de mim e, embora sem rosto, começaram a devorar, lentamente, cada pedaço de meu corpo, assim como minha amada. Os sinos agora badalavam de forma histérica, e mais e mais chamas saíam do lago em direção ao céu. Eu já sentia o sangue escorrendo de minha boca e a dor de ser comido vivo era dilacerante. Alguns de meus dedos eram delicadamente saboreados, enquanto outros eram arrancados de forma violenta. Não consigo, em palavras, descrever toda a dor que senti. De repente, tudo ficou escuro. Quando acordei, o lago estava absolutamente normal, assim como o céu, embora ainda tivessem o tom azulado de outrora. No banco ao meu lado, minha amada continuava sentada, mas seu corpo estava em perfeito estado e ela tinha um pequeno sorriso de felicidade. Uma dor aguda tomou conta de mim quando tentei me levantar, e então percebi que o estrago feito na noite anterior ainda estava em mim. Alguns dedos faltando, sangue por todo o lado e uma dor horrível vinha de dentro de mim. Com um esforço imenso, levantei-me e sentei-me no banco, ao lado dela. Por maior que fosse a dor, a sensação de estar ao lado dela era maior do que tudo. Mas, assim que me sentei, ela levantou-se e foi embora, sem dizer uma palavra. Permaneci sentado, chorando, pois eu sabia, naquele momento, que a hora dela ir embora havia chegado, e que, toda a noite, eu teria que viver o castigo de ser devorado por criaturas sem face. Aquele era o meu inferno pessoal, era o meu castigo por ter matado a mulher que mais amei. E o que mais doía não eram as mordidas ou a sensação de ter meus órgãos arrancados, mas era a visão dela indo embora. Então eu sentei no banco, e contemplei as montanhas, pois eu sabia que por mais que eu corresse, eu jamais conseguiria sair daquela cidade. E fiquei ali sentado, aguardando o meu apocalipse pessoal chegar junto com a noite, trazido pelas criaturas sem face.