quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Conto de Natal

- Ei, você aí deitado, acorde!
Era uma voz estranha para mim. Acordei, aturdido, me perguntando o que alguém estaria fazendo em meu quarto, ainda mais na véspera de natal. Aos pés da minha cama, havia alguma coisa se mexendo. Estava escuro, então tive que me levantar para conseguir ver bem. Um pequeno ser, uma criança, brincava ali, aparentando estar feliz.
- O que você pensa que está fazendo aqui?! Dê o fora! – esbravejei.
- O que estou fazendo aqui...? – ela falou calmamente, ignorando toda minha irritação – Vim aqui para lhe levar para darmos uma volta. Ah, que grosseria a minha. Eu sou o espírito do natal passado, - a voz dela estava com tom de deboche - e vim aqui para te mostrar algumas coisinhas.
- Espírito do quê? Ah, pelo amor de Deus, você acha que vou acreditar numa coisa dessas?
- Você tem certeza? – ela disse, apontando para uma vela em cima do meu criado-mudo. A vela instantaneamente acendeu, queimando em menos de 30 segundos. Aquilo me deixou horrorizado. Realmente aquela pirralha parecia ser o que dizia.
- Pela sua cara, vejo que não duvida mais de mim. – Seu tom de voz era doce e levemente sombrio – Agora, siga-me, temos muito que fazer.
- Eu não vou sair daqui! Você acha que porque acendeu uma vela à distância conseguiu me provar alguma coisa?! – eu menti.
- Tsc, tsc. Mais um desses chatos... Bom, já que você não quer sair daqui, façamos o que tem que ser feito aqui, mas não me responsabilizo pelo estado de seu quarto depois, hein?
- Como assim, estado do meu quarto?
Ela não me respondeu. Aos poucos, as paredes começaram a se mover, cada vez mais e mais rápido, até que não estávamos mais em meu quarto. Quando finalmente me dei conta de onde estávamos, um calafrio percorreu minha espinha, seguido por um singelo sentimento de nostalgia.
- Lembra deste lugar? – ela me perguntou.
- Mas como esquecer! Aqui foi onde cometi o meu primeiro assassinato.
- Sim... Bom, já está por começar. Apenas observe.
Quando fui perguntar o porquê disso tudo, um grito de dor ecoou ao longe. Seria isso... Não, não pode ser.
Logo após, uma mulher corria desesperadamente por onde estávamos: um beco sem saída em uma rua mal iluminada da velha cidade onde vivia. Ela gritava por ajuda, apavorada, mas ninguém vinha em seu auxílio. Quando, finalmente, seu algoz acaba por decidir seu destino: a morte. Ele caminhou lentamente até ela, proferiu uma risada estridente e esfaqueou-a até o fim.
Aquela cena me era tão... Reconfortante. Lembrou-me de como eu entrei nessa vida. A criança-espírito olhou atentamente a minha expressão, estudando-a.
- O que você acha dessa cena? – ela perguntou.
- Eu não acho nada. Eu me lembro de tudo. Aquele foi o dia em que eu me tornei o que sou hoje.
- Você não se arrepende de ter matado aquela mulher que não te fez nada?
- Me arrepender? Por que eu faria tal coisa?
- Porque isso é errado e...
- Errado nada! – eu a interrompi. – Eu faço o que eu quiser, e você e nem ninguém vai me falar o que é certo ou errado!
- Ah, pelo amor de... Tá bom, que seja. Estou vendo que você vai precisar de uma dose maior de persuasão. Mas meu trabalho aqui está terminado. Vamos voltar.
Tudo à minha volta começou a se mover na mesma velocidade de antes. Novamente, estava em meu quarto, mas agora, ele estava totalmente destruído, minha mobília em ruínas, minha cama toda despedaçada. Enquanto eu praguejava aquela pirralha por ter feito aquilo com meu quarto, senti uma presença estranha atrás de mim. Lentamente, virei-me para ver quem era, mas não havia ninguém.
- Então, a criança mandou o trabalho para mim agora, hein?
A voz vinha da janela do quarto, atrás de mim agora. Uma voz aveludada, de uma mulher bela e jovem, não aparentando ter mais do que vinte anos, vestindo um manto branco.
- Ah, pelo amor de Deus, o que deu nessa gente pra invadir o meu quarto dessa maneira? Até parece que não sabe quem é que está aqui.
Ela, ignorando-me como a criança fez, disse:
- Sou o espírito do natal presente, e vim mostrar como os seus atos afetaram a vida de outras pessoas.
- Mais uma maluca dessas... Tá bom então, pra onde vamos agora?
- Vamos para a casa da mulher que você viu ser assassinada.
Ela não me deixou falar. Ela estalou os dedos, e instantaneamente estávamos em um lugar humilde, mais do que o meu quarto. Duas crianças estavam no cato do pequeno cômodo, chorando abraçadas.
- Pelo que suponho, essas são os filhos da mulher em questão? – eu disse, ironicamente.
- Sim.
- E também suponho que você quer me comover me mostrando essa cena, não é?
- Sim.
- Que pena. Esse seu pequeno esforço não vai dar em NADA! Porque esse bando de maricas não fazem alguma coisa pela vida ao invés de ficarem aí chorando?!
- Porque eles estão sentindo uma coisa que você nunca poderá entender: saudade. Dor. Falta. Eles queriam que, hoje, a mãe deles estivesse aqui na véspera de natal para comemorar essa data com eles. Mas ela não está. E nunca mais estará.
- Ah, tá bom então. Mas o que VOCÊ entende disso?! Quem lhe deu o direito de ficar se metendo na vida dos outros e tentar mudá-los?!
- Entendo muito mais do que você pensa. Esse é meu trabalho, e eu já vi muitos como você. Infelizmente, nenhum deles acabou muito bem Mas chega de discussão. Já vi que não vai adiantar nada perder meu tempo com você. E pensar que já fazia tempo que ninguém passava por mim... Bom, ela já estava ficando entediada mesmo.
- Ela? De quem você está falando?
- Da sua próxima visita. Eu e a criança ainda tentamos fazer alguma coisa para redimir os nossos “anfitriões”. Mas a velha... Bom, digamos que ela tem métodos... Diferentes, se é que você me entende.
Ela estalou novamente os dedos, e voltamos para o meu quarto, desaparecendo assim como a outra. Fiquei esperando pelo terceiro, já que, se duas já estiveram aqui, a do passado e a do presente, com certeza virá o do futuro, me mostrando o quão ruim será minha vida e outras baboseiras do tipo. Porém, passou-se um minuto, dois, dez... E nada. Decidi então voltar a dormir. Peguei o que restou do meu colchão e uma coberta que estava jogada no chão do quarto, e me deitei, esperando o sono voltar e resmungando que aquela pequena canalha tinha destruído tudo e que daria muito trabalho para arrumar tudo.
Mas o sono não vinha. E pior, comecei a ficar com calor dentro do quarto. “Estranho”, pensei. Olhei para o termômetro na parede e vi que ele estava estranho: parecia que ele estava aumentando a temperatura rápido demais. Dez, vinte, trinta graus em menos de um minuto. Joguei minha coberta longe e comecei a me livrar da roupa que estava usando. Mas a temperatura ainda estava aumentando, até o ponto em que o mercúrio no termômetro na parede estourou o vidro do mesmo, atirando estilhaços por todo o quarto, alguns atingindo meu braço. Senti meu sangue escorrer pelo meu braço e aquele calor me queimando por dentro e por fora. Até que começou a acontecer. Todo o meu quarto, inclusive eu, entrou em combustão instantânea. Desesperado, tentei sair dali para achar um jeito de apagar o fogo que estava me consumindo, mas perdi totalmente as forças, caindo no chão.
Antes de perder a consciência, consegui enxergar alguém andando em minha direção. Alguém com uma capa negra e uma foice em mãos. Ele levantou o capuz, mostrando seu rosto. No mesmo instante, uma risada diabólica ecoou e eu acordei, em pânico. Era aquilo um aviso? A morte realmente estaria atrás de mim? Mas, espere, o terceiro não era o espírito do natal futuro? Então, por enquanto, não me acontecerá nada, não é?
- Você está errado. – Uma voz vinda da porta disse.
Temendo que estivesse acontecendo o que pensei, virei-me para a porta. E lá estava ela, seu manto negro, uma caveira sem face, carregando uma foice e o meu destino...